1 - Aires Gomes Fernandes (LAB2PT, Universidade do Minho), “Quando o tecido não tem religião: os alfaiates judeus de Guimarães na Idade Média”
A vila de Guimarães tinha, na Idade Média, uma importante comunidade judaica. Tal importância ainda não se espelha no conhecimento que vamos tendo sobre ela, pese o extraordinário contributo que vários autores têm trazido para a temática. Sendo as fontes muito variadas, as informações reduzidas e dispersas, naturalmente que só com esses utilíssimos contributos parcelares é possível ir conhecendo melhor, entre outros aspetos, o espaço da judiaria, a sua organização e a interação dos judeus com a restante população. A comunidade judaica tinha, certamente, uma grande importância no tecido económico vimaranense dos séculos XIV e XV. Conhecem-se algumas atividades, recorrentemente associadas aos judeus, que também em Guimarães contam, entre os seus mesteirais, com representantes judeus, nomeadamente ourives e físicos. A presente investigação pretende dar a conhecer o papel dos judeus ao nível da atividade têxtil em Guimarães na Idade Média, mormente os alfaiates, mais a mais numa localidade em que se verifica uma grande presença destes profissionais, tendo por isso que enfrentar uma fortíssima concorrência. Começaremos por identificar esses alfaiates, e tentar perceber a forma como se enquadram entre os restantes que exercem a arte e que eram maioritariamente cultores do credo cristão e com assinalável força “corporativa” (convém lembrar que em Guimarães existia uma importante Confraria dos Alfaiates). Procurar-se-á também saber em que locais exercem o seu ofício e se têm atividade própria ou se estão vinculados a determinados empregadores. Nesse caso também importa conhecer esses empregadores bem como a própria clientela destes alfaiates, que seria, presumivelmente, maioritariamente cristã (será interessante perceber se havia alguns clientes fixos) porque, obviamente, para esta questão dos clientes as fontes raramente nos dão respostas. Tentaremos também apurar o tipo de envolvência e protagonismo que têm no tecido social e económico da urbe. Procuraremos ainda aquilatar do peso e representatividade que tal ofício tem dentro da atividade laboral global da própria comunidade judaica e estabelecer comparações com outras localidades para as quais existam este género de dados. Pretendemos, assim, conseguir dar mais um pequeno contributo para o conhecimento da história desta importante comunidade judaica portuguesa.
2 - Ana Marques (Universidade do Porto), “Blasfémia ou insulto: provocações de Judeus a Cristãos no Portugal Quatrocentista”
Em algumas dezenas de cartas de perdão das Chancelarias de D. Afonso V e de D. João II, vemos casos de judeus acusados do crime de “Blasfémia”, naturalmente do ponto de vista da religião cristã. Se os cristãos “arrenegam de Deus, de Santa Maria e dos seus santos” quando estão de cabeça perdida, os judeus desrespeitam as figuras e os rituais do cristianismo quando envolvidos em discussões acesas com cristãos. Não é visivelmente “heresia”, e da parte de quem profere tais insultos não é blasfémia, antes uma provocação, por vezes violenta. A comunicação examinará em profundidade os conceitos: “blasfémia”, “heresia”, “renegar”, a sua respetiva moldura penal nas ordenações afonsinas, o conteúdo dos insultos e provocações, os protagonistas e contexto em que tais conflitos ocorrem.
3 - Beatriz Felício (Universidade de Évora), “Os Impactos do Édito de Expulsão (1496) na Judiaria de Évora”
Em 1497, os judeus são convertidos ou expulsos do reino de Portugal em consequência do Édito promulgado por D. Manuel I no ano anterior. Esta circunstância retirou propósito às judiarias enquanto espaços de segregação e separação desta minoria no espaço urbano, levando ao seu desaparecimento.
A presente análise debruça-se sobre os impactos do Édito de Expulsão (1496) nos outrora bairros judaicos, adotando como estudo de caso a judiaria de Évora e tendo por base registos documentais de cinco das principais entidades e instituições detentoras de propriedades nesta zona – os Bacharéis e o Cabido da Sé de Évora, o rei, o concelho e as albergarias. Simultaneamente, consideraram-se vestígios materiais arqueológicos resultantes da intervenção realizada na antiga Sinagoga Medieval. O foco recai assim nas alterações urbanísticas, morfológicas, habitacionais e utilitárias ocorridas na judiaria em questão, num intervalo cronológico que se estende de 1496 a 1545.
Em suma, esta comunicação propõe-se a refletir sobre a forma como a expulsão da minoria na última década do século XV e a intolerância religiosa da primeira metade do século XVI impactaram e transformaram as materialidades, particularmente imóveis e urbanas, da comunidade judaica eborense.
4 - Abraham Gross (Ben Gurion University of the Negev, Israel), “The Trajectory of Jewish Iberian Messianism in the 15th-16th Centuries”
On the eve of Moses death he tells the Israelites who are about to enter the Promised Land that they will be exiled from it due to their sins and dispersed among the nations. However, there is also a message of consolation that in the end they will be redeemed, gathered from the “four corners of the world,” and return to Zion.
The harsh reality of Galut (Exile), namely, a national state of living through an interim historical period away from their homeland was the impetus for a long, rich and diversified history of Jewish messianism.
The occupation with the subject during the 15th and 16th centuries in the Jewish Iberian world is noteworthy. Indeed, it seems to be the most intense and longue durée in the entire history of Jewish messianism This paper will attempt to point out major milestones which determined changes, developments and innovative turns in the character and charted the changing course of messianic ideas and activism, both in Iberia and in the Sephardic diaspora. While recognizing external Iberian influences, this presentation focuses on internal developments and re-thinking of redemptive solutions to what was perceived to be acute Jewish existential problem in the period under discussion.
The timeline starting point is the first half of the 15th century, ending with the messianic ideas rooted in the Lurianic Qabbalah, sometime in the 1560s.
5 - Cleusa Teixeira de Sousa (CHSC, Universidade de Coimbra), “Judeus Sefarditas após o Édito de Expulsão/Conversão: a inserção na história global”
Após o Édito de expulsão/conversão dos judeus de Portugal, muitos deles se debandaram para outras localidades, fosse de imediato ou nos anos posteriores à sua promulgação. Haja vista que trilharam "novos" caminhos para viverem, sejam eles: Amsterdão, Índia, Marrocos, Brasil, dentre outros. Nessa feita, o objetivo central desta apresentação consiste em buscar analisar os fenômenos desse processo histórico mediante a perspetiva global de migração e inserção dos judeus e cristãos-novos em outros locais viabilizados pela integração e pelas dimensões do Mediterrâneo.
6 – António Jorge Afonso (Centro de História, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa), “Percursos Sefarditas entre o Magrebe, Gibraltar e Portugal: Geopolítica e Diplomacia na génese dos conflitos inter-religiosos”
No contexto muito particular da segunda metade de Setecentos e primeiras três décadas de Oitocentos os judeus sefarditas desempenharam papel preponderante nas opções da diplomacia portuguesa em relação Marrocos e posteriormente na obtenção da paz com a Regência de Argel no ano de 1813. Embora na segunda metade do século XVIII, no que concerne ao Império Xarifino e aos sultões do Renascimento Alauita, os caminhos da geopolítica do Reino ainda tivessem sido traçados em Portugal, eles não prescindiram da colaboração de judeus sefarditas influentes junto do makhzen marroquino, apesar da penetração do neo-hanbalismo de Ibn Taymiyya adoptado por Ibn ‘Abd al-Wahhab em algumas áreas do Magrebe de rito malikita.
A documentação existente nos arquivos portugueses, mau grado o duplo discurso que a caracteriza, refere o papel dos Colaço na obtenção do Tratado Luso-Marroquino de 1774 e de outros sefarditas da corte de Muhammad Ben ‘Abdallah (1757-1790) na manutenção das boas relações com Portugal (Samuel Sumbel, Elias Levy, Haïm Toledano, David Acris, Izaac Acris, Haïm Capua), bem como a constante presença dos Benoliel representantes do monarca alauita em Gibraltar.
Nos primeiros anos de Oitocentos as várias aproximações à regência argelina e ao poder hanafita que a governava, agora sobre a tutela da Grã-Bretanha, culminarão no Tratado com Argel do ano de 1813 e não dispensarão o contributo dos judeus livorneses (Cohen, Bacri e Busnach) com grande influência junto dos deys argelinos na gestão das suas relações económicas com a margem norte do Mediterrâneo. Personagem incontornável será também Abraão Cardozo, representante da Regência em Gibraltar, filho de Jacob Cardozo que ali chegou no ano de 1720 vindo de Portugal, e que acabará por incrementar as relações luso-argelinas com a nomeação de Salomão Pacífico, vizinho da cidade de Lagos, como representante no “Reyno do Algarve” da oligarquia turca no poder em Argel.
O percurso do judeus sefarditas entre o Magrebe e a Península para o período abordado nesta comunicação (1774-1829) será também marcado em Junho de 1829 pela solicitação do sultão marroquino ‘Abd al-Rahman Ibn Hisham (1822-1859) da libertação “seu judeu” Samuel Sefarty condenado no Porto a ser açoitado “e hir a trabalhos de galés para toda a vida por se provar que adherira voluntariamente á Rebellião a conselhando o modo de derigir o Fogo na Praça de Valença contra as Forças Realistas que a sitiarão”.
7 - Emília Oliveira e António Andrade (CLLC, Universidade de Aveiro), “O volume inédito de epistolae medicinales de Jorge Godines: a carta dedicatória a D. João de Melo e Castro”
Em 1521 surge, no seio da Escola de Medicina de Ferrara, pela mão de Giovanni Manardo, a primeira coletânea de epistolae medicinales. O novo género epistolográfico depressa se converteu num veículo de divulgação privilegiado de temas relacionados com a medicina. Até à presente data, não havia notícia, no Humanismo Português, de qualquer obra que pudesse ser enquadrada neste género. A descoberta do volume inédito de cartas médicas composto, em meados de Quinhentos, pelo médico cortesão Jorge Godines vem, contudo, alterar esta realidade.
Com a presente comunicação, pretende-se, pois, fazer uma apresentação do volume de epistolae medicinales de Jorge Godines, a partir da leitura da carta dedicatória que o autor dirige a D. João de Melo e Castro – bispo do Algarve e, mais tarde, arcebispo de Évora –, evidenciando a sua relevância pela nova luz que traz sobre múltiplos aspetos do Humanismo português, nomeadamente sobre a atualidade e a qualidade da discussão, entre a comunidade letrada, sobre a medicina, em geral, e a matéria médica, em particular.
8 - Susana Bastos Mateus (Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste, Universidade de Lisboa; CIDEHUS-Universidade de Évora), “Metodologias e problemáticas em torno da edição do processo de Gonçalo Rodrigues na Inquisição de Goa (1568-1569)”
Esta comunicação pretende apresentar os principais critérios metodológicos e problemáticas que presidiram à edição e estudo crítico do processo inquisitorial do mercador cristão-novo, Gonçalo Rodrigues, instaurado pelo tribunal da Inquisição de Goa, em finais da década de sessenta do século XVI. O manuscrito, que se encontra em vias de publicação, integra a "Série Goana", um projeto de edição crítica de processos movidos pelo tribunal de Goa contra cristãos-novos portugueses.
9 - Saul António Gomes (CHSC, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), “A comunidade cristã-nova da Pederneira (Nazaré) na abertura de Seiscentos”
Na abertura de Seiscentos encontramos uma pequena comunidade de cristãos-novos da antiga vila portuária da Pederneira. A presença judaica nessa antiga vila, hoje mais conhecida como Nazaré, remonta aos tempos medievais, mas é sobretudo a partir da segunda metade do século XVI que se densificam os indícios da presença cristã-nova nesta povoação dos antigos coutos de Alcobaça, sujeita à jurisdição senhorial dos abades de Alcobaça. A onda de prisões levada a cabo pelo Tribunal do Santo Ofício de Lisboa, no começo do século XVII, atingiu transversalmente esta comunidade pederneirense. Os processos inquisitoriais que nos chegam permitem identificar a importância das ligações familiares dos cristãos-novos da Pederneira com as comunidades de Leiria e de Tomar, assim como de Lisboa, trazendo à ribalta da história alguns protagonistas, como os Lobo ou os Alão, das vivências sociais das «gentes da nação» num centro piscatório e marítimo de algum significado no Portugal filipino.
10 - Joana Mestre Costa (CLLC, Universidade de Aveiro), “Singularidades da Archipathologia (1614): o(s) lugar(es) da(s) mulher(es) no magnum opus do médico luso-sefardita Filipe Montalto”
Filipe Montalto (Castelo Branco, 1567 – Tours, 1616), cristão-novo de linhagem sefardita, trocou o Portugal de seiscentos e, com ele, o cristianismo, por um percurso na Europa transfronteiriça, tão devotado à prática religiosa, quanto à prática médica, que, surpreendentemente, culminou na corte francesa de Maria de Médicis.
Em Paris, Montalto publicou a segunda e mais significativa das suas obras médicas, a Archipathologia (1614), através da qual estabeleceu a descrição e a classificação das afeções neuropsiquiátricas em dezoito tratados, perscrutando essa porvindoura especialidade da Medicina devotada às perturbações da mente e à respetiva terapêutica.
A reflexão que, ora, se propõe intenta retomar a discussão sugerida aquando dos últimos Diálogos Luso-Sefarditas e divisar os lugares das mulheres no universo do magnum opus montaltino — os lugares de proveniência (da tradição à prática), os lugares de destino (da loucura à cura), os lugares de vulto (do paradigma ao patrocínio) — e, perquirida esta singularidade da Archipathologia, em confronto com a tradição, confirmar o seu autor como um dos marcos entre os médicos humanistas.
11 - António de Vasconcelos Nogueira (CLLC, Universidade de Aveiro), “Esta Serei Eu, G. VON H.”
This will be me, G. of H. The Memoirs (1691-1719) by Glückel of Hameln (c.1646-1724) are an original testimony of a businesswoman. She gives a detailed account of her commercial practices, developed through family networks over generations. The Memories and the critical literature published allow us to take a different standing upon the condition of Jews and gender, customs and values. Objective: to argue myths associated with the identity of the portrayed subjects, their Jewish condition, and gender. Method: Archival research and of specialized literature submitted to content analysis. Starting from theses and hypotheses derived from Archaeology, Art History, Philosophy, Narrative Medicine, about the identity of the subjects portrayed, the findings put in evidence the connection between G. of H. and the Portuguese Jews in Hamburg, being related to others in Amsterdam. Conclusions: Rembrandt is credited with portraits of prominent Jewish figures. However, no reliable portrait of G. of H. is documented, except the only one existing, given by herself in Memoirs, translated by Bertha Pappenheim, her collateral descendant, the famous patient Anna O., of Jozef Breuer and Sigmund Freud.
12 – L. Hollanda (Universidade de Lisboa), “Uriel da Costa: Um retrato da trágica influência do pensamento judaico-português na génese da modernidade”
O Dictionnaire historique et critique é frequentemente citado como a mais importante publicação da viragem do século XVII para o XVIII. E, sem dúvidas, o maior argumento dado por Bayle, ao início do seu dicionário, contra a possibilidade de conciliação entre fé e razão, vem a partir não exatamente dum esforço argumentativo-filosófico, mas por meio da utilização de uma das biografias mais discutidas no século XVII, a de Uriel da Costa. O espaço dado à biografia do filósofo judaico-português no dicionário de Bayle chama a atenção em razão de que o seu verbete ocupa um espaço maior do que o número de páginas dedicadas a autores como Francis Bacon, Giordano Bruno e Leibniz, bem mais conhecidos do que da Costa nos dias de hoje. Isso revela, por um lado, 1) a notabilidade do pensador lusitano no metié filosófico da segunda metade do século XVII; por outro lado, isso também sugere 2) a relevância do pensamento dacostano para os fins da filosofia bayleana, filosofia essa que se encontra latente enquanto pano de fundo do Dictionnaire. A respeito daquele segundo aspecto, não há razões para elaborá-lo mais minuciosamente aqui; já quanto o primeiro ponto, cabe uma análise mais detida de como o pensamento de Uriel é usado 1) por Bayle para articular a sua largamente influente tese de inconformidade entre fé e razão, e 2) como tal filosofia dacostana foi de tal medida trágica e revolucionária enquanto precificadora do pensamento moderno.
13 - Regina Hauy, Phablo Fachin e Gabriel Steinberg (Universidade de São Paulo, Brasil), “O Tratado de imortalidade da alma, de Moseh Raphael de Aguilar: tradição textual e legado sefardita”
A comunidade judaica de Amsterdão nos séculos XVII e XVIII era formada em grande parte por portugueses e seus descendentes, que se chamavam de Nação Portuguesa de Amsterdão. A grande mobilidade dos membros da comunidade judaica pela Europa é notória e a saída da Península Ibérica em direção à Holanda ocorreu de maneira contínua ao longo de quase 300 anos. Desde a expulsão dos judeus da Península Ibérica até o início do século XIX foram escritos nessa comunidade textos em português a respeito dos mais variados assuntos como astronomia, medicina, teologia, peças de teatro e filosofia. A biblioteca Ets Haim, em Amsterdão, mantém em seu acervo vários desses textos e entre eles o manuscrito que compõe a base desta comunicação, o Tratado de imortalidade da alma, escrito pelo rabino Moseh Raphael de Aguilar, rabino de grande erudição, frequentemente consultado para dirimir dúvidas de cunho teológico e filosófico, não só por membros de sua comunidade, como também de outras mais distantes, como da Inglaterra e da Itália, que viveu no Brasil por cerca de 10 anos, durante o período da ocupação holandesa em Pernambuco. Estão localizados atualmente dois testemunhos do Tratado de imortalidade da alma no mesmo acervo. É de sua autoria também a Epitome da Gramatica Hebrayca de 1660; a Epitome da Gramatica Hebrayca de 1661, edição em que foi incluído o capítulo Arte Poetica Hebrayca; e o Discurso sobre a Significação das Letras Hebraicas. Esse conjunto de textos compõem um panorama do que acontecia entre alguns membros da comunidade judaico-sefardita de Amsterdão. O século XVII, chamado de o Século de Ouro, foi um período de disputas teológicas entre cristãos e judeus, e de volta de alguns cristãos novos ao judaísmo. O ensino de hebraico a adultos falantes de português e a fundamentação de crenças religiosas explicam a produção dessas obras de Raphael de Aguilar. Para esta comunicação, apresenta-se o resultado do estudo da tradição textual do Tratado de imortalidade da alma, tendo em vista uma proposta interdisciplinar de trabalho entre as áreas da Filologia e da Língua Hebraica e Cultura Judaica. Do ponto de vista filológico, os dois testemunhos do Tratado reunidos para a concretização do estudo constituem um conjunto de escritos que permite conhecer a história do texto em sua transmissão e retratar o estado de língua do período em que cada um deles foi escrito, além de inseri-los no âmbito dos estudos históricos do português, os quais normalmente não mencionam o uso dessa língua em comunidades como as judaicas, fora dos territórios de Portugal, Brasil e demais colônias portuguesas. Do ponto de vista da comunidade sefardita, o texto situado em seu contexto de produção permite aprofundar o conhecimento sobre a história e cultura luso-sefardita e de suas manifestações gráficas transfronteiriças e multiculturais, contribuindo para a compreensão de seus legados materiais e imateriais no âmbito do judaísmo.
14 - Marize Helena Campos (Departamento de História da Universidade Federal do Maranhão, Brasil), “A Rainha Esther do Maranhão: o judaísmo de Isabel Gomes no Nordeste setecentista”
No início do século XVIII, viveu em São Luís do Maranhão a cristã-nova Isabel Gomes, por muitos chamada de “Rainha Esther do Maranhão”. Neste trabalho, apresentamos aspetos de sua multifacetada resistência frente ao catolicismo imposto pela metrópole portuguesa com base em denúncias constantes no Auto da Inquisição que mandou fazer o padre Carlos Pereira, comissário do Santo Ofício na cidade do Maranhão (Inquirição de 1731), pertencente ao acervo do Arquivo da Torre do Tombo, Lisboa - Portugal.
15 - Carolina Henriques Pereira (CHSC, Universidade de Coimbra), “Portugal e o Holocausto: o caso dos judeus sefarditas de ascendência portuguesa em regime de “residência fixa” na Curia (1943)”
No verão de 1940, Portugal viu-se inundado de milhares de refugiados, judeus e não-judeus, em fuga da Guerra e dos países ocupados pelos nazis. Porém, o receio da introdução de ideais vanguardistas e democráticos no seio da sociedade portuguesa, levou o governo salazarista a priorizar o afastamento destes estrangeiros da capital, dispersando-os por localidades periféricas onde eram obrigados a permanecer até que conseguissem os vistos e as passagens necessárias para sair de Portugal. Refugiados indocumentados ou considerados perigosos pelo Estado português eram colocados em regime de “residência fixa” em povoações termais e balneares da zona Centro do país, nomeadamente nas Caldas da Rainha, em Coimbra, na Curia, na Ericeira e na Figueira da Foz. Em princípios de 1943, a Legação alemã em Lisboa enviou um ofício ao governo de Salazar dando-lhe a possibilidade de retirar judeus que reclamavam a nacionalidade portuguesa dos territórios sob domínio nazi. Todavia, e devido a questões burocráticas, apenas uma pequena parte dos judeus sefarditas conseguiu ser abrangido por esta medida, nomeadamente os residentes em França. Foram repatriados para Portugal entre os meses de setembro e novembro de 1943, pouco mais de uma centena, em três grupos distintos, tendo residido inicialmente na aldeia da Curia. De entre os judeus sefarditas de ascendência portuguesa identificados, encontra-se Alberto Benveniste e a sua família. Esta comunicação analisa a entrada de judeus sefarditas em Portugal, na sequência do ultimato alemão de repatriação de 1943, contribuindo para um maior conhecimento do papel das “residências fixas” da zona Centro no panorama internacional da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto.
16 - Florbela Veiga Frade (CHAM-Centro de História, FLUL), “Voltar terra da idolatria - a redução à fé católica dos judeus portugueses na diàspora”
Um dos grandes argumentos e objectivos, que funciona também como justificação, para a existência de Inquisição em Portugal é impedir as heresias entre a população. Alguns estudos referem que esta acção do Tribunal do Santo Ofício apenas incidia sobre pessoas baptizadas e, portanto, teriam de ser reencaminhadas para o rebanho da Igreja. Contudo, a realidade não é bem esta. Sabe-se a história de muitos estrangeiros que, apesar de nunca terem sido baptizados na fé católica, tiveram de ser educados e reduzidos ou reconciliados, apesar de serem de diversas nacionalidades. A razão prendia-se ao facto de, por causa da sua actividade económica, militar ou outra, terem de permanecer em Portugal por um período mais ou menos longo. Os judeus portugueses na diáspora, que pertenciam às comunidades europeias onde nasceram e foram criados como judeus, também foram alvo desta educação à força na fé católica. Voltar a Portugal, a “terra da idolatria” nas palavras dos membros das comunidades sefarditas, por quaisquer razões quer se prendessem a actividades mercantis ou simplesmente para resolver assuntos pendentes deixados pela família no exílio, era incorrer nesse risco. O presente estudo debruça-se sobre alguns casos de judeus portugueses que pertenciam a várias comunidades sefarditas europeias e que foram reduzidos à fé católica pela Inquisição portuguesa.
17 - José Manuel Azevedo e Silva (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), “A Recém-Descoberta Judiaria do Canto, Tibaldinho, Mangualde. Um Caso Único em Portugal e no Mundo”
Começamos por sintetizar a história dos Judeus em Portugal para melhor compreendermos o caso concreto da Judiaria do Canto, um bairro separado da aldeia de Tibaldinho.
O topónimo Canto há muito que andava a rondar o nosso espírito. A este se juntou a propriedade de vinha chamada Mortórios, o seu cemitério, a cerca de 150 metros a Leste do Bairro. A partir de 2010, as pessoas e os jornais começaram a propalar o mistério da mina-galeria. Trata-se de uma mina de água corrente, rasgada pelos sefarditas, à sua chegada, nos finais do século XV. A publicação do nosso livro brotou como resposta científica ao mistério.
A Junta de Freguesia de Alcafache convidou um grupo de espeleólogos da Universidade de Aveiro para se pronunciarem sobre o mistério. Na sua honestidade profissional, deixaram-nos 30 perguntas e nenhuma resposta.
Entretanto, lemos tudo o que havia para ler sobre os judeus e, quando entendemos estar apetrechados, na tarde do dia 29 de agosto de 2018, fomos à mina-galeria. Deparámo-nos com um espaço subterrâneo de enorme volumetria, com uma “saleta” de cerca de 4 metros de lado (a sinagoga dos homens), com uma reentrância no lado esquerdo de quem sobe a mina, com cerca de 2 metros de lado e de altura (a sinagoga das mulheres), com suportes para a colocação de candeias ou lamparinas, com figurações de simbologia judaica gravadas na rocha granítica.
Trouxemos esta realidade à superfície com o “guindaste” das fotografias que iremos projetar.
18 - Hervé Baudry (CHAM-Centro de Humanidades, NOVA/FCSH), “Em direção à transcrição automática dos processos da Inquisição portuguesa (1536-1821)”
O projeto exploratório da FCT, «Transcrever os processos da Inquisição portuguesa (1536-1821)» (TraPrInq), tem 18 meses para criar um modelo de inteligência artificial para realizar na plataforma Transkribus (readcoop.eu) a transcrição dos documentos pelo reconhecimento de escritas, ou HTR (Handwritten Text Recognition).
Num primeiro tempo tratar-se-á de descrever o projeto, começando por responder à questão: passados nove meses, qual é a situação do lado do instrumento que está a ser criado por uma equipe luso-brasileira de paleógrafos? Num segundo tempo, abordar-se-ão questões específicas sobre este avanço (o HTR) da revolução digital e os estudos luso-sefarditas.